Colunistas - Fabiano Campachi- Dias de Sol

Tempo atrás, enquanto abastecia o carro, em um posto de Piedade, uma cena despertou minha atenção. Uma mulher alta, bem vestida, estacionou o carro, atravessou a rua e carinhosamente abriu uma sacola.

A sequência daquela cena, marcaria aquele domingo para sempre, pois da sacola ela retirou comida e água. Lentamente abaixou-se e alimentou um cãozinho.

Lembro ao amigo que ela não jogou a comida. Não fez por obrigação ou interesse, pois enquanto o pequeno não terminou de comer, ela não arredou os pés dali. Isso demonstrava amor.

Ao final do banquete, ela recolheu-se lentamente, entrou no carro e partiu.

Não faço a menor ideia de quem seja aquela digna moradora piedadense, mas ela me fez reviver muitas coisas naqueles minutos e me deu uma grande lição de vida. A segunda lição de minha vida;

Se tem algo no mundo que nunca me chamou atenção, foram os cachorros. Lá em casa sempre os tivemos, muito por costume e pouco por amor aos bichos. Lá em casa cachorro nunca foi um ser social, e perdidos pelo quintal pareciam verdadeiros alienígenas.

Em casa dos outros, muito me incomodava quando os peludos pulavam em mim, e quase sempre causava-me constrangimento tal situação. O anfitrião sempre percebia meu pouco apreço, e a minha falta de entendimento acerca de tanto amor para com esses animais.

Os anos passaram, me casei, e um ano depois, a inevitável tragédia aconteceu, e adiante o leitor entenderá o porquê de termo tão forte e pesado.

Numa tarde de janeiro, repentinamente, feito uma bomba, me cai sobre o celular a mensagem que jamais quisera receber, vinda de minha esposa Márcia.

- Acaba de aparecer no meu trabalho uma cachorra, e guardaram para mim!

Naquele momento eu sabia, definitivamente, que meu casamento estava em risco, mas gritei, relutei e decidido disse não. Primeiro por telefone, e depois pessoalmente, cara a cara, olho no olho; no da Márcia e no da cachorra.

- Para casa esse bicho não vai, lá esse bicho não entra. Alvoroço foi geral, e diante de tantos advogados, verdadeiros promotores da justiça e defensores das esposas apaixonadas por cães, tive que ceder.

Enrolamos o bicho em um saco e entramos no carro. No caminho, olhando para ela, pensei mil coisas, e a menos cruel foi abrir discretamente o portão, para que ela feito fumaça sumisse.

Não que eu nutrisse ódio a animais, ou fosse uma pessoa cruel, não! Mas eu não queria amizade com eles e ponto.

Naquele início de noite, nos tornamos três. Ela, que não tinha nome, que não tinha pai, mãe, não tinha nada, ganhara uma dona receosa, mas apaixonada, em um dono “insensível. Sim, donos! Quem tem pai e mãe é gente.

O que não sei explicar, é o motivo pelo qual, dois dias depois, eu mesmo escolhi um nome e a batizei.

Três dias depois, completamente apaixonado. Logo eu, que tanto condenara amigos que tratavam como pessoas seus animais, inclusive inserindo os no café da manhã e servindo presunto, como fizera Renato certa vez.

Logo eu!

Aquele ser estranho, peludo, que por dois dias eu maldissera e por anos temera aparecer, me recebeu no portão agora a noite, entre risos e latidos, e tantos abanos, como aliás faz há tanto tempo.

Ela não sabe, de tudo que senti, não imagina tudo que pensei e passei, mas sabe que a amo demais e sei que ela me ama também.

O nome dela é Sol e eu sou sim seu pai. Ponto final!

Fabiano Campachi é Professor, cronista e poeta.. autor de “ Autorretrato e outros “eus”.

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