Colunistas, Fabiano Campachi - Identidade
- Fabiano Campachi
- 24 de jul. de 2015
- 2 min de leitura
Identidade
Nos meus tempos de criança, lá em Birigui, grandes personagens marcaram minha vida. Tiririca, caveirinha, robozinho e outros tantos que o tempo acabou apagando da minha memória. Quase nunca sabíamos de onde vinham, mas uma coisa havia em comum entre eles. Eram andarilhos e chegavam a Birigui, quase sempre,a bordo do trem de passageiros da Noroeste do Brasil, que fazia parada lá pelas bandas da São Francisco.
Alguns mau humorados, outros mais engraçados, mas sempre grandes personagens. Ficavam pelo bairro durante semanas, meses, as vezes, até anos.
Um dos mais emblemáticos foi Tiririca que, acreditem, virou até auxiliar de pastor, durante sua estadia pela Vila Real. Daqueles que usam terno, gravata e bíblia, sim.
Certo é que, logo o vício da bebida falou mais alto e Tiririca, já andarilho novamente, um dia desapareceu, como tantos outros, aliás.
Desapareciam sem que soubéssemos seus nomes verdadeiros ou pudéssemos conhecer um pouco da história de cada um.
Já adulto, tive a oportunidade de conhecer dragãozinho, um velho baixinho e barbudo que perambulava pelo centro da cidade, e quase sempre nos abordava dizendo:
- Me dá cinquenta centavos!
Intrigado, certa vez, resolvi perguntar seu nome e foi grande o espanto:
- Por que quer saber meu nome? Ninguém jamais perguntou meu nome. Engoli seco, mas insisti com ele:
- Mas você tem um nome... A resposta veio de forma mais surpreendente:
- Meu nome é João Florentino Coelho.
A partir daquele momento, ele deixou de ser para mim um andarilho qualquer e revelou-se, acima de tudo, um ser humano com nome e sobrenome. Um homem que, como qualquer um de nós, tinha uma história. Eu passei a ser para ele não apenas um transeunte qualquer, um mero mantenedor de esmolas. Passei a ser o “Fabin” que o levava para fazer a barba. Era o desespero dos barbeiros.
Tornei-me o cara entrava com ele na padaria para comprar leite e pão. Muitas vezes percebia que as pessoas olhavam torto.
Não sei, sinceramente, se era assistencialismo o que eu fazia. Sei que era o mínimo que podia.
Algumas vezes, soltava com a voz rouca: - Fabin, eu não vou mentir não, hoje eu quero mesmo é tomar uma pinga.
Confesso que, vez em quando, não conseguia negar.
Os anos foram passando e logo o dragãozinho já nem existia mais. Todos já o conheciam como João.
Em 2013 vim para Piedade e nunca mais encontrei meu amigo, mas sei que entre idas e vindas, continua bebendo e vivendo nas ruas.
Nos últimos dias tem feito muito frio, e andarilhos dormem no palco da Vila Maria. Sei que ali há muitos Joões Florentinos Coelhos e cada um também tem a sua história. De repente me lembro que meu amigo, tal como eles, dorme por aí.
Pude fazer tão pouco por ele. Fazemos tão pouco pelos que vivem no palco da Vila Maria. Quase nada fazemos por tantos Tiriricas, Dragõezinhos ou Caveirinhas.
Cabe a todos nós, de alguma forma, ajudar essas essas pessoas, mas devemos lembrar que, apesar tudo, cada um tem um nome e uma história e isso nem o abandono da ruas pode tirar.

Fabiano Campachi é Professor, cronista e poeta.. autor de “ Autorretrato e outros “eus”.
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