Um conto de Piedade - A MALDIÇÃO DO PADRE JUQUINHA
- NETO
- 30 de jul. de 2015
- 2 min de leitura
Os moradores acompanhavam em silêncio enquanto padre Juquinha acomodava seus poucos pertences na carroça que o levaria embora. Os dois rapazes que o ajudavam carregavam lentamente os últimos itens, prolongando a partida do cura, como se não quisessem que ele se fosse. Era uma manhã fria de junho. Os demais assistiam em silêncio, insatisfeitos com a partida do clérigo, porém resignados em sua impotência. A inércia era parte indissociável de sua natureza. Sempre foi assim, e não havia nada que pudesse ser feito, nem com intervenção divina. O padre terminou de colocar o restante de seus pertences e organizá-los na carroça. Agradeceu os ajudantes, despediu-se dos que com ele conviveram em sua estada naquela cidade, alguns em prantos. Sabiam que a partida do padre era a derrota da maioria dos que ficavam. Antes de subir na carroça, padre Juquinha olhou a redor, vendo todos que vieram se despedir, homens, mulheres, crianças, prestavam seu respeito e despediam-se sem palavras. Ao fundo, as forças que o expeliam daquelas terras contemplavam sorrateiramente, esfregando as mãos enfiadas nos bolsos, da maneira ardilosa e traiçoeira com que sempre agiram, deleitando-se de sua vitória com a cara fechada, única expressão que ainda guardavam, após tantos anos de uma existência vazia e rancorosa. Não demonstravam qualquer sentimento. Há muito que não sabiam pra que serviam as emoções, por isso as reprimiram. Eram homens que se julgavam práticos, portanto, superiores. O padre olhou condescendente para os que ficavam, tanto simpatizantes quanto desafetos, sabia que eram acometidos do mesmo mal, "essa é uma terra amaldiçoada", pronunciou em seu último sermão, "sofre da pior das maldições, porque evitável. A maldição de não ser o que poderia ter sido. Condenados por negar a vida". Puxada pelos bois, a carroça seguiu lentamente, rangindo, como uma sinfonia macabra, cortando como faca o silêncio sepulcral daquela terra maldita. "Dessa terra só sai erva daninha",disse o padre baixinho, fazendo o sinal da cruz.
NETO

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