Colunistas - Ellen Garcia - O hábito de fazer da natureza um objeto e de nos colocarmos no topo dos
- Ellen Garcia
- 24 de out. de 2016
- 4 min de leitura
Na escola, quando vamos aprender sobre as ciências naturais e exatas, nomes bem conhecidos são estudados: Platão, Aristóteles e Sócrates que viveram antes de cristo influenciaram Isaac Newton, Albert Einstein, Galileu Galilei, Charles Darwin, Louis Pasteur, Gregor Mendel, Nicolau Copérnico, Antoine Lavoisier, Descartes...São cientistas que viveram entre os séculos XV- XX. No século XIX, houve um entusiasmo com o avanço materialista graças às contribuições de cada um desses cientistas e filósofos. Pelo livro de Eça de Queiroz “As cidades e as Serras” percebemos como esta época foi empolgante, foi a oportunidade de se transferir de uma vida precária e atrasada para uma moderna proporcionada pela tecnologia.
Com o uso do método científico proposto por Descartes, (que ainda usamos nas universidades, principalmente nos laboratórios) foi possível a modernização da tecnologia. Neste método as etapas são:
Observação da natureza;
Formulação de uma hipótese;
Imitação de seus fenômenos observados (experimentação científica no laboratório);
Teste de comprovação, para averiguar se o resultado se iguala com o observado na natureza;
Conclusão;
Este método foi amplamente usado para as empresas aperfeiçoarem seus produtos e aumentar os lucros. Diante disto, uma cultura utilitarista se consolidava. Com tantos séculos de observação e experimentação, passamos a acreditar que a natureza é um objeto, experimentado e descartado para criarmos novas mercadorias. Por consequência, qualquer vivo (os cinco reinos) ou não-vivo (solo, água, ar, rochas, fogo) ao nosso alcance passou por estas etapas do método.
Estas conquistas científicas-tecnológicas inflou o ego humano. Surgiu uma crença de que nós poderíamos fazer qualquer coisa, já que nossa espécie era dotada de uma mente brilhante mais inteligente do que qualquer outro ser vivo da terra e, tudo que estava ao nosso redor existiria para nos servir. Dentro desta concepção nasceu a cultura antropocentrista, é a espécie humana se sentindo superior a todos os seres vivos, inclusive superior a Deus. Nós temos a capacidade de manipular e criar diversos seres, objetos, artes e a cultura. E esta cultura antropocêntrica junto com a utilitária (acreditar que tudo é para ser usado e descartado) foram duas das responsáveis pelo nosso afastamento da natureza e da relação social.
Os seres vivos são lembrados ou citados por suas utilidades: “Por que existe rato se não serve para nada? Uma planta a gente come, faz remédios, cosméticos, uma vaca serve de alimento”. No entanto, nenhum ser vivo nasce para ser útil, ele simplesmente surge ao acaso e, de acordo com o meio ambiente que está se adapta para sobreviver da maneira que for possível, se alimentando daquilo que conseguir dentro de suas capacidades fisiológicas.
Também para nos caracterizarmos ou nos apresentarmos a alguém, falamos sobre nossa utilidade ou ocupação. Somos músicos, escritores, cineastas, atores, empreendedores e devemos, ao mesmo tempo, ser lucrativos; poucas vezes nos referimos às nossas qualidades sentimentais e de relacionamento porque estas características não são valorizadas. Não tem valor econômico o quanto amamos nossa família e ajudamos nossos amigos. Podemos conseguir através de amizade e cumplicidade curar alguém de um trauma, mas quem vai lucrar fazendo a mesma tarefa é um psicólogo. Podemos defender um inocente por empatia e ganhar admiradores, mas o advogado que ganha muitas causas e fica rico com isso consegue de maneira geral mais vantagens na sociedade, tem maior reputação. Vivenciamos num momento em que o emprego é extremamente valorizado por ser utilitário e rentável.
Em contrapartida a estas ideologias (utilitarista e antropocentrista) surgiram as pessoas ecológicas, que são as pessoas mais próximas da natureza e da vida simples, buscaram descobrir qual seria a conduta mais ética perante o meio ambiente e a sociedade. E por estas pessoas que surgiu a educação ambiental crítica, que vai além de preservação da natureza. Também lidando com a valorização do indivíduo, de cada um pensar com a própria cabeça de acordo com seus princípios, sendo o mais justo possível dentro do plano ambiental, individual, social e econômico.
Por estas concepções de utilitarismo e antropocentrismo enraizadas culturalmente em cada um de nós, mudar os valores e as atitudes demanda muito tempo. Dificilmente alguém conseguirá mudar 100% seus hábitos para viver com mais harmonia com a sociedade e com todo ecossistema, se tentar se esforçar muito pode si prejudicar e isto não é o propósito. Mas aos poucos, passo a passo estamos no caminho. Já vivemos uma realidade de cidades sustentáveis, reciclagem, educação ambiental, permacultura, produtos orgânicos, bem-estar animal, tecnologias ambientais, leis ambientais etc.
O planeta já passou por diversos aquecimentos e glaciações tanto globais como regionais, desconstrução e construção de relevos, mares, rios e florestas. Extinções de espécies e mudanças continentais. A consciência global não se trata apenas de pensar a natureza, visto que ela supera suas mudanças dentro de sua escala de tempo (milhões de anos), mas também de cada um saber usar a própria consciência lidando com o dia-a-dia, optando por atitudes mais solidárias e saudáveis diante da natureza, do próximo e consigo mesmo.

Ellen da Silva Garcia é Biologa formada na UNESP com especialidade em Educação Ambiental, tem interesse em plantas, animais, cidades sustentáveis, hortas orgânicas, decoração, artesanato, literatura e escrita. Para contatos, facebbok: https://www.facebook.com/ellen.garcia.9484
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